Se o Tango fosse uma Relação

Posicione-se em frente a mim com postura. Não sorria, nem ria. Pois isso não é brincadeira. Segura a minha mão e a minha cintura. Mas não tente se aproximar tanto com o corpo por mais confortável que seja ou pela vontade de sentir os nossos batimentos perto um do outro, não precisamos disso agora. Vamos apenas nos envolver no tango, sem desviar olhares ou tentar fugir.

E nessa dança você precisa entender que a cada passo que você der, eu seguirei. Mas me incluindo nisso, só eu poderei dar sentido para eles. Por isso, precisamos de sintonia. Porém, por favor, não de passos falsos, não pise nos meus pés. Porque a partir do momento que isso acontecer, nosso tango irá acabar.

Seja totalmente sincero nisso. Assim, nós conseguimos ver na agressividade dos nossos passos as nossas diferenças. Será nítido a nossa raiva, porém é isso que nos completa. Por mais que briguemos, o nosso olhar mostra o desejo, o fogo, a brasa que arde no nosso peito com vontade de virar uma só.

Nós já passamos por várias situações iguais a essa antes, formamos outros pares. E a verdade é que cada dança significou algo diferente do que nós dançamos. Mas por mais que nesse salão tenha tantos outros pares ou pessoas interessantes que ainda não dançam, não queira trocar apenas pela atração. Nosso tango terá que ser mais sério que isso enquanto durar.

As vezes sinto que você começou a correr com os passos, é impossível seguir dessa forma. A música parece errada.

Calma, calma, calma. Pare a dança.

Sinta a música. Perceba que cada passo tem o seu tempo e que ele leva nós dois. Vamos começar de novo.

Um. Segue me mostrando os seus problemas e nervosismos. Dois. Eu vou em sua direção e revido o seu passo, pois quero mostrar o que eu sinto com tudo isso. Três. Você me mostra decepção e magoa. Me gira como se dissesse que o passado ficou para trás. Quatro. Eu volto a te olhar como fazia antes disso, mas você me joga para trás, como se dissesse que já não é mais a mesma coisa, porque dessa vez você me dá segurança nos seus braços.

Cinco. Nós nos soltamos. Cruzei as pernas e deixei as mãos conectadas no ar enquanto você recuou de susto, com os braços inclinados para trás.

Nesse tango precisamos de sintonia sim, mas isso não quer dizer dependência, muito menos algo que nos deixe presos um ao outro. Eu quero liberdade. É necessário estar solta as vezes, sem depender de ser salva de algo. Meu amor, eu gosto de compatibilidade. Agora que nos demos espaço, repare nisso.

Nós talvez não precisemos de uma coreografia montada como um outro par. Nossos passos precisam se entender, expressar as nossas inseguranças e se um de nós não sabe como fazer isso, que o outro conduza para ensinar. Uma vez que nos juntamos, temos que completar um ao outro aos poucos, sem correr no tempo. Mas é necessário colocar expressão nos passos, nunca esconde-los.

Enquanto andamos de costas, veja os outros casais. Alguns nem sabem que coreografia seguir, outros nem reparam nos erros que cometem. Não queremos isso. Vamos nos aproximar de novo.

Paramos, desviamos o olhar, pensamos:

O que realmente queremos?

Voltamos a nos olhar e nos juntamos novamente.

Seis. Você me tem pela cintura e eu coloco o meu mundo sobre os seus ombros. Sete, mudou a postura. Dessa vez mais próximos, onde podemos sentir os corações baterem perto. Oito. Com o braço estendido com rigidez nós seguimos e olhamos em frente. Para. Encaramos o futuro e voltamos para o outro lado da mesma forma.

Agora como num recomeço: Um. Eu me seguro em você por um braço e você me segura por uma perna. Logo, formamos aqui uma confiança e intimidade.

A música para.

Nós saímos de posição sem deixar de olhar um ao outro. Rostos e corpos eletrizados por algo chamado de felicidade. Não vemos mais raiva. Apenas o amor que adquirimos passo a passo. E isso nos mostra que a música não parece ter parado. Ainda resta esse toque...

Um, dois. Um, dois. Um, dois.

Sempre que juntos, a música do coração será apenas a que realmente importa. E então, dançaremos isso que se chama relacionamento. Afinal, encontramos os passos certos.